'Era das telas' dobra problemas de visão
As seguidas horas diante de uma tela – seja do celular, do tablet, do computador ou da televisão – já apresentam reflexo na saúde dos olhos de crianças e adolescentes brasileiros. Uma pesquisa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) mostra que o número de crianças que usam óculos de grau dobrou nos últimos dez anos, passando de 10% para 20%. Dessas, quatro em cada dez apresentam problemas de miopia, ou seja, há dificuldade para se enxergar com nitidez tudo o que não esteja próximo. O estudo foi realizado com 583 jovens.
O oftalmologista Luiz Carlos Molinari, diretor da Sociedade Mineira de Oftalmologia, explica que, diante de uma tela, a criança pisca menos e se esforça para manter o foco. “Isso causa fadiga, que traz mudanças no olho e que podem levar à miopia e a outros vícios de refração”, diz.
Segundo Molinari, os principais sintomas de algo errado na visão costumam ser dificuldade para identificar objetos a distância, esforço para manter o foco, hipersensibilidade à luz, lacrimejamento em excesso e vermelhidão nos olhos. Para evitar esses problemas, o ideal, segundo especialistas, é que o acesso a esses dispositivos não ultrapasse duas horas por dia.
Dentro de casa. Em apenas um ano, Bruno Henrique Valiceli Pin, 9, teve o grau de miopia aumentado por causa do uso excessivo de celular. “O grau passou de 2 para 3. O médico disse que a visão dele é equivalente à de um idoso, algo muito preocupante para uma criança dessa idade”, afirma a professora Christiane Valiceli, 39, mãe de Bruno Henrique.
O menino afirma que se adaptou rápido. “Os óculos me ajudam a ler, a estudar e a brincar com os meus amigos”, conta. No celular, ele diz que gosta de ver vídeos e filmes e acessar jogos. Depois do diagnóstico, as regras se tornaram rigorosas. “Hoje, meus filhos não ficam mais do que duas horas por dia, só até as 18h. O médico proibiu depois desse horário porque o considera perigoso”, declara Christiane, que também é mãe de Anna Gabrielle Valiceli Pin, 16. A jovem tem miopia e astigmatismo. “O grau aumentou um pouco porque ela não largava o celular”, revela a mãe.
‘Era das telas’ dobra problemas de visão
Anna Gabrielle, 16, que tem miopia e astigmatismo, não largava o celular e acabou apresentando aumento no grau no último ano
Para a adolescente, é difícil ficar sem o aparelho o tempo todo. “Uso o celular para conversar com os meus amigos, ver vídeos e ouvir músicas. Queria poder usar por mais tempo, mas sei que faz mal”, diz.
Na família da professora Lidiane Castilho, o filho caçula, Davi Castilho, 4, foi diagnosticado aos 2 anos com astigmatismo. “Ele não conseguia se concentrar nas atividades, ficava inquieto, irritadiço. Por isso eu e meu marido o levamos ao oftalmologista”, conta.
‘Era das telas’ dobra problemas de visão
O pequeno Davi Castilho, 4, tem o acesso ao celular e ao tablet limitado pelos pais para evitar que seu problema de visão aumente por causa da exposição excessiva às telas
Davi se adaptou bem ao uso dos óculos. “Eu gosto de usar porque posso brincar e fazer o que eu gosto”, diz o menino, que utiliza o tablet e o celular para jogos e desenhos. “Tenho mais dois filhos além dele. O Marcelo, de 12 anos, e a Sofia, de 6, não têm problemas de visão, mas limito o acesso. Cada um tem seu celular e só pode gastar uma bateria por dia”, afirma.
Mundo. Uma epidemia mundial de miopia pode estar muito próxima. Segundo o instituto americano IAPB Vision Atlas, até 2050, cerca de 50% da população do planeta – incluindo crianças que vivem em cidades grandes e nas regiões metropolitanas – devem ter miopia.
Um estudo feito em 2010 pelo instituto indicava que pouco mais de 28% dos habitantes do planeta tinham o distúrbio visual. Os pesquisadores alertam que a criança deste século vive em local fechado, quase sem acesso ao ar livre, é transportada para a maioria das atividades e gasta cada vez mais tempo na frente de tablets, TVs ou smartphones.
Miopia é o tipo que mais exige correção
Entre 20% e 25% de todas as crianças em idade escolar terão algum problema oftalmológico, desde simples erros refracionais até doenças oculares mais sérias. “Destas, cerca de 10% a 15% necessitarão de óculos. Estamos identificando cada vez mais quadros já existentes que não eram diagnosticados. No caso da miopia, ela é o tipo de grau que mais requer correção com óculos ou lentes de contato”, explica a oftalmologista pediátrica Débora Pinheiro, médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Débora ressalta que, principalmente nas crianças menores, mesmo sem prejuízo das funções e do comportamento, existem graus que devem ser corrigidos com o objetivo de promover o desenvolvimento visual adequado referente a cada idade.
Mais danos. A oftalmologista alerta que, além da miopia, outros problemas oftalmológicos têm surgido entre adultos e crianças ligados à tecnologia. “São casos de síndrome do olho seco e cefaleia secundária”, exemplifica.
A médica ainda destaca que o tipo de luz emitido pela tela tem natureza potencialmente nociva para as estruturas oculares, principalmente para a retina, podendo alterar também a qualidade do sono dos usuários, conforme pesquisa em andamento.
Fonte: Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo